Diferentes lados e Regionalismos: Uma Tacho Musical Brasileiro
Projeto Cultura Online! Pesquisa e Educação Musical
Foi assistindo a quinta edição do Festival MUCHO – exibido pelo Youtube-, durante um bate papo entre Jorge Drexler e Lenine, que me ocorreu a ideia de escrever sobre esse texto. Há muito que venho refletindo e observando sobre o caráter simbiótico que tem a música através do território latino americano e as suas diversas influências sofridas do oriente médio e da Europa colonizadora. Por vezes, penso que muito do que se faz em música está relacionado com CRL C CRTL V (copia-se e depois cria-se) ou até mesmo que a beleza da música pode estar nos sons e ruídos que a sociedade descarta. A partir desse ponto, relaciono o regionalismo musical do brasil com esse recorta e cola ao qual me referi e, ainda, ao nosso território ibero-americano, que é feito de gente de diferentes lados do mundo (trazidas à força ou fugidas) e incorpora tais produtos culturais numa amálgama muito própria (teria a globalização do novo mundo começado há 500 e poucos anos?).
Um dos povos que mais influenciou a cultura da América do Sul, sabe-se, foram os Mouros. Sobre isso, Lenine reflete: “O Nordeste talvez seja o lugar em que esse Mouro ficou mais evidente, seja nos aboios, nas canções ou na melancolia que permeia o cancioneiro nordestino e do agreste”.
Os primeiros registros históricos que se tem da figura de quem trabalha com a palavra e com a crônica datam do século 11, no que hoje é o sul da França. Porém, os árabes já estavam na península ibérica há pelo menos 300 anos – e ficariam por mais alguns séculos, totalizando 700 anos de presença nesse território.
Dos trovadores provençais, desembocamos na literatura de cordel. Imagina a marca que isso deixou por aqui?- e que logo em seguida se mistura com as culturas trazidas pelos africanos escravizados. Sobre a salada de frutas sem fronteiras que se tornou essa região, Drexler comenta: “Muitos dos padrões rítmicos mais antigos e difundidos que temos por aqui, como o 3 3 2 , que tem tanto na milonga como no regatón vem dessa mescla”. O que mais me chama a atenção nesse assunto é o poder de síntese que temos nas expressões musicais mais novas do Brasil, como o funk carioca, por exemplo. Ele contém toda a raiz dos toques de tambores de terreiros– em que o 6/8 parece sempre presente- e lembra bastante a clave base do Candombé uruguaio, só que com menos elementos.
Arrisco dizer que o Brasil é um celeiro de músicos que consegue agrupar, reduzir e mesclar elementos básicos de expressões musicais distintas em uma nova forma sui generis e especialíssima – desde Chiquinha Gonzaga, Villa Lobos, passando por Pixinguinha, Jobim, até chegar no Kevin O Chris e Anitta. E isso da pra notar no Joao Gilberto, que resume uma escola de samba inteira na batida de mão direita do violão da bossa nova ou em Jorge Benjor – nosso Bob Marley, segundo Lenine –, que reune samba e rock, vindo do guitarreiro de Bagé , Bedeu, pra criar algo novo e que aponta novos caminhos. E assim segue com a guitarrada paraense até chegar na estética do frio, do Vitor Ramil. Dito isso, tendo a correlacionar os cantautores hodiernos da América sulista – que Lenine chama de “repórteres do tempo”- com os trovadores da Occitânia, que iam cantando e contando suas redondilhas em forma de crônicas (quase reportagens) junto de seus instrumentos de corda rústicos e acústicos. Através das indicações do Drexler na Live, pude conhecer Carolina Sanín Paz, pesquisadora medievalista colombiana que escreve sobre a comparação que há entre o reguetón e os já citados trovadores provençais. A autoafirmação, o exagero da sexualização (SIC), a ostentação material, a misoginia e muitos outros assuntos correntes daquela época ainda são tema central de boa parte das músicas feitas agora.
É interessante observar que todas as tradições vindas da península ibérica, como a literatura de cordel e as décimas – abandonadas por lá -, sobrevivem aqui na América Latina (a Lira popular do Chile, o cordel do Nordeste brasileiro etc). E com a música não é diferente: muitos dos tipos de violões barrocos que existem no México até hoje (Leona, Tololoche, Mosquito) estão esquecidos na Espanha. E, assim, essa música vai viajando o mundo e se adaptando ás diversas linguagens e povos que encontra: a milonga do prata tem com padrão rítmico o 3 3 2 – já falado – que vem dá Africa; no século nove esse mesmo padrão é encontrado nos bordéis da pérsia; no século treze, na Espanha – de onde, cinco séculos depois, cruza a América com os escravizados; enquanto isso, nos Bálcãs, se junta à escala cigana e dá origem ao Kelzmer, que os imigrantes ucranianos judeus levam ao Brooklyn , onde é escutado por um menino argentino chamado Astor Piazzola – que transforma o tango da segunda metade do século vinte, tocando o bandoneón, um instrumento alemão do século dezenove. A famosa frase nada se cria, tudo se copia nunca fez tanto sentido.
Ao ler e ouvir sobre as voltas que a música dá, me dei conta de que as coisas só são puras quando vistas de longe, que é importante sabermos das nossas raízes, conhecer nossa história, mas, mais importante do que isso, é saber que todos somos de ningún lado del todo y de todos los lados un poco.
Guitarrista e Produtor Musical
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.
Other uncategorized cookies are those that are being analyzed and have not been classified into a category as yet.